Comentário Econômico
Por: Marcelo Fonseca, economista-chefe da REAG Investimentos
O conflito entre Israel e Hamas se apresenta como um novo choque para o sistema financeiro
global. É inegavelmente um evento com significativo potencial disruptivo para uma economia que
ainda enfrenta as consequências do grande ciclo inflacionário recente, por meio do maior aperto
monetário das últimas duas décadas.
O principal canal de contaminação seria o aumento do risco geopolítico decorrente do espalhamento do conflito para outros países da região, com desdobramentos negativos sobre o preço do petróleo, que certamente superaria a marca dos USD 100/barril diante de um envolvimento direto
de países como Síria, Líbano e Irã. À luz de um quadro inflacionário ainda desafiador, um choque de
oferta dessa magnitude certamente forçaria os principais bancos centrais a levarem adiante o atual
ciclo de aperto monetário, o que tornaria uma nova (e possivelmente longa) recessão global altamente provável.
À parte esse cenário extremamente adverso, sobre o qual se tem pouca ou nenhuma visibilidade, a
presente fotografia da economia global destaca-se pela sua notável resiliência diante dos choques
que se acumulam nos últimos tempos. Nos EUA, o terceiro trimestre trouxe surpreendente aceleração no crescimento, que se aproximou de 5% em termos anualizados – o melhor desempenho
trimestral pós pandemia. Mesmo a China, onde recentemente flertava-se com o fantasma de uma
recessão diante dos dados econômicos bastante negativos dos últimos meses, dá mostras de estabilização após o empenho das autoridades com estímulos ao setor imobiliário.
Um outro aspecto favorável para a economia global é que o recuo da inflação começa a colocar um
ponto final nos ciclos de aperto monetário nas principais economias. É o caso do Banco Central
Europeu, que em sua última reunião anunciou o final do movimento de altas. Mesmo nos EUA, onde
o Federal Reserve manterá o viés de aperto adicional diante da robustez dos dados econômicos por
mais algumas reuniões, vislumbramos uma última alta dos juros de 25 bp. na reunião de dezembro.
A perspectiva de proximidade de encerramento do ciclo de aperto, aliada a sinais incipientes de
acomodação na atividade econômica nos EUA, deverá abrir espaço para um arrefecimento nas
taxas de juros de longo prazo, após meses de movimento incessante de elevação que culminou com
o rendimento dos títulos norte-americanos de 10 anos atingindo o patamar de 5%.
Dessa forma, a menos que presenciemos um acirramento do confronto no Oriente Médio, o ambiente econômico atual, que combina um crescimento econômico ainda robusto com a proximidade do fim do ciclo monetário, coloca uma tendência positiva para o apetite à risco nos mercados
globais.
No Brasil, o governo finalmente começa a admitir que a meta de déficit primário zero para o orçamento federal de 2024 não deverá ser alcançada. Embora não seja novidade, uma vez que os analistas já alertavam para as dificuldades no atingimento daquele objetivo, o impacto negativo sobre as
declarações oficiais decorreu de dois pontos particularmente problemáticos: i) as declaração terem ocorrido anteriormente à votação da LDO de 2024, o que abre espaço para o texto final a ser submetido ao Congresso Nacional contemplar mudança oficial da meta; ii) a justificativa de que a manutenção da meta atual colocaria na mesa a necessidade de cortes nos projetos de investimento.
Ambos os pontos explicitam a ausência de disposição do governo em levar adiante a necessária
redução das despesas públicas, sem a qual o novo arcabouço fiscal será incapaz de promover a
recuperação da frágil situação fiscal.
A combinação de um ambiente global de taxas de juros mais elevadas por mais tempo com maiores
incertezas fiscais no plano doméstico deverá se traduzir em uma postura mais conservadora do
Banco Central. Reforça-se assim o cenário de que o Bacen não deverá encontrar espaço para aceleração do ritmo de cortes da Selic, mesmo diante de sinais visíveis de desaceleração na atividade econômica – após as surpresas positivas no início do ano, projetamos uma contração do PIB no
terceiro trimestre em torno de 0,3% na comparação trimestral. Além disso, o valor terminal para a
taxa Selic deverá ser mais alto do que anteriormente contemplado, para entre 9,5 e 10%.
A perspectiva de estabilização dos juros reais domésticos em níveis elevados cria um
ambiente desafiador para a economia brasileira em 2024.
Comportamento dos mercados no mês
Por: Saulo Holzmann, estrategista da REAG Investimentos
Comportamento dos mercados no mês
Este mês de outubro foi marcado pelo conflito Israel-Hamas em Gaza. Apesar do conflito, até o
momento, estar contido em uma específica região e entre dois regimes, existe a possibilidade de ele
se espalhar por outros países do Oriente Médio e envolver ainda mais os Estados Unidos, que já se
mostraram obviamente estar ao lado de Israel. Para o mercado financeiro, os impactos foram o
aumento da volatilidade, a alta do preço do barril de petróleo e o efeito potencial desta alta sobre a
inflação global. Com este evento inesperado, foi natural que as bolsas fechassem o mês no negativo
e se aumentasse a aversão ao risco do investidor. No Brasil, o mês de outubro também não foi
positivo devido não somente às razões geopolíticas externas e à subida da taxa de juros futura
americana (ler abaixo), mas também à dificuldade do governo em aprovar medidas fiscais de
aumento de arrecadação para o próximo ano, dificultando o já desacreditado déficit zero em 2024.
No mês, a bolsa, representada pelo Ibovespa, recuou enquanto o Real se desvalorizou levemente
perante o dólar e o euro. Os juros, representados pelos Índices Anbima mais curtos, tiveram
resultado positivo, mas abaixo da variação do CDI. Já os mais longos fecharam no negativo.
Cenário Global
Apesar da inflação global estar claramente em queda (mesmo longe das metas dos Bancos
Centrais) e das economias europeia e chinesa arrefecendo, os Estados Unidos voltaram a
surpreender positivamente com uma alta inesperada do PIB e mostrando um mercado de trabalho
ainda aquecido. Os EUA têm ainda um forte consumo causado por uma combinação de baixo
desemprego, aumentos salariais superiores à inflação, e ainda uma reserva de recursos advinda da
época da Covid que está sendo utilizada pelo consumidor para gastos. Apesar dos BCs Europeu, do
Reino Unido e dos outros países desenvolvidos já terem decidido parar de subir os juros, ainda se
especula que o BC americano necessitaria subir ainda mais os juros do que o atual patamar de
5,50% para levar a inflação à meta de 2,0% ao ano no futuro. Isto influencia os mercados no que
concerne ao custo de empréstimos, liquidez global, atratividade do dólar americano, entre outras
variáveis. Também afeta a percepção de risco dos Emergentes, entre eles o Brasil. Ainda vemos que,
apesar do fim do ciclo, os BCs manterão os juros altos por mais tempo, até estarem confortáveis
com o nível de inflação girando em torno de 2% (hoje em 3,6%), o que deve ocasionar possíveis
revisões para baixo da expectativa de crescimento global para 2024.
Cenário Brasil
No Brasil, apesar da melhora no cenário econômico, de certa forma inesperada pelo mercado (novo
modelo de arcabouço fiscal, reforma tributária parcial e melhora da nota/rating pelas agências de
crédito internacionais), ainda segue o eterno dilema fiscal. Apesar dos esforços e da meta de superávit estabelecida pelo próprio governo, nem mesmo o
Presidente Lula acredita e avaliza o que foi estabelecido pelo Ministério de Haddad. Estamos em um
governo que tem o hábito gastador e com um viés claramente mais social. Com esse ambiente, e o
cenário externo mais desafiador, fica limitada a possibilidade do BC brasileiro baixar a taxa de juros
mais velozmente, mesmo que a inflação já se encontre dentro das bandas preestabelecidas. É
consenso que devemos fechar o ano com 11,75% a.a. de taxa SELIC. Para o final do ano que vem, a
Reag Investimentos revisou a taxa de juros para 10% a.a., justamente por esta combinação de mais
volatilidade externa com as condições fiscais não tão favoráveis aqui quanto se esperava
anteriormente.
Indicadores do Mês
IBOVESPA: -2,94%
IGP-M: +0,50%
DÓLAR: +0,28%
CDI: +1,00%